28 março 2024

A Decisão do TEDH (37)

(Continuação daqui)


Filipe Avides Moreira, na altura subdirector e mais tarde director da Cuatrecasas-Porto, agora na PLMJ-Porto


37. É obra


Como já referi, um dos principais choques que tive durante este processo ocorreu logo no Tribunal de Matosinhos. Eu tinha entrado para lá a pensar que um tribunal era uma instituição solene e um templo de verdade, e saí de lá a pensar que, afinal, era um antro de mentira, onde as mentiras pareciam jorrar até das paredes.

Houve três mentiras sequenciais e referentes ao mesmo assunto que, postas em conjunto, produziram um resultado muito engraçado. Tiveram como protagonistas os advogados Paulo Rangel (director da Cuatrecasas- Porto), Filipe Avides Moreira (sub-director) e António Ferreira, presidente do Hospital de São João.

A todos o magistrado do MP perguntou quando é que tinham tomado conhecimento do meu comentário (que fora produzido no dia 25 de Maio de 2015, uma segunda-feira, no Porto Canal, cerca das 20:30).

António Ferreira respondeu que não tinha visto o comentário. O magistrado do MP - o célebre magistrado X - ainda insistiu: "Mas não viu na altura, ou nunca viu?", ao que ele respondeu: "Nunca vi". A esta testemunha, o magistrado X ainda perguntou se tinha telefonado a alguém a falar sobre o assunto, ao que ele respondeu que não.

A mesma pergunta, acerca de quando é que tinha tomado conhecimento do meu comentário, foi colocada ao Paulo Rangel. Respondeu que tinha tomado conhecimento do meu comentário no dia seguinte  de manhã pelo Professor António Ferreira que lhe telefonou muito aflito.

Finalmente, a pergunta foi colocada ao Filipe Avides Moreira, que respondeu que tinha tomado conhecimento do comentário no próprio dia, cerca das 10:30 da noite pelo Paulo Rangel, que lhe telefonou.

Em suma. O Paulo Rangel soube do comentário no dia seguinte por um telefonema do António Ferreira que não o viu e não telefonou a ninguém, e por um milagre de Deus, nessa mesma noite telefonou ao Avides Moreira a dar-lhe conhecimento. 

É obra.

(Na altura, ainda o julgamento estava a decorrer, deixei o episódio registado num post que, rapidamente se tornou muito popular: cf. aqui. Este post contribuiu para que a acusação passasse a queixar-se insistentemente ao juiz que eu andava a comentar o julgamento no blogue, uma queixa que me enchia de prazer).

A Decisão do TEDH (36)

 (Continuação daqui)



36. "Juíza" Maria José Rangel de Mesquita

Quando o processo chegou ao Tribunal da Relação do Porto (TRP), vindo do Tribunal de primeira instância de Matosinhos, eu ia condenado pelo crime de ofensa a pessoa colectiva à Cuatrecasas, mas absolvido do crime de difamação agravada ao Paulo Rangel.

O TRP confirmou a minha condenação à Cuatrecasas e inverteu a minha absolvição ao Paulo Rangel, condenando-me também pelo crime de difamação agravada.

No caso da Cuatrecasas, eu já tinha a chamada "dupla conforme", isto é, a confirmação da condenação por um tribunal superior, mas no caso do Rangel ainda não. 

A Constituição prevê no seu artigo 32º o direito ao recurso (cf. aqui) para evitar erros judiciários ou situações de corrupção da justiça (como era o caso, e o acórdão do TEDH veio agora confirmar) em que um inocente é indevidamente condenado.

Portanto, recorri da condenação relativa ao Paulo Rangel para o tribunal superior, que, no caso, era o Supremo Tribunal de Justiça.

Desde há alguns anos, que o STJ vem produzindo acórdãos dizendo aos tribunais inferiores que têm de seguir a jurisprudência do TEDH nestes casos. Um acórdão do STJ de 2019 é fortíssimo a este respeito (cf. aqui). Mas uma coisa é o que o STJ diz outra coisa é o que certos juízes fazem, os quais se sentem pequenos reizinhos, livres para decidir contra a jurisprudência, porque nunca ninguém lhes vai à mão, nem criminalmente nem sequer disciplinarmente.

O Supremo respondeu-me que não podia  apreciar o meu recurso por causa de uma certa "jurisprudência" do Tribunal Constitucional acerca do artº 32º da Constituição.

Recorri, então, para o TC para que fosse respeitado o meu direito ao recurso previsto no artº 32º da Constituição.

Ora, estando eu em litígio com o eurodeputado Paulo Rangel do PSD, o processo no TC foi distribuído a uma "juíza" também de apelido Rangel (Maria José Rangel de Mesquita) que fora nomeada para o TC precisamente pelo PSD.

Que azar!

Já se advinha o resultado.   

(Continua acolá)

27 março 2024

Saque

 



(Revista Sábado)

Comentário: A falta de vergonha é total. 

A Decisão do TEDH (35)

 (Continuação daqui)


35. Quequé


(Tribunal de Matosinhos, 4 de maio de 2018)
Quequé, a conhecida advogada da Cuatrecasas, depõe como testemunha de acusação no meu julgamento. Este é o momento em que, tendo-lhe o magistrado do MP perguntado "O que é que  um advogado sente quando chamam ao seu trabalho uma palhaçada jurídica?", ela responde: "Sente que há interesses obscuros...até podia levar ao encerramento da sociedade… sente que não há diferenças... senti-me insultada na TV" (cf. aqui aqui)
(Publicação original: cf. aqui)

Raquel Freitas, advogada da Cuatrecasas (cf. aqui), também conhecida por Quequé dos Protocolos (cf. aqui) ou simplesmente Quequé. 

O cartoon capta o momento mais ternurento do meu julgamento no Tribunal de Matosinhos, em que até eu tive vontade de saltar do banco dos réus para a confortar (cf. aqui).

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (34)

 (Continuação daqui)

(Tribunal de Matosinhos, 29 de Maio de 2018)
José de Freitas, advogado da Cuatrecasas, na qualidade de testemunha, tira temporariamente a mão do bolso esquerdo do casaco para explicar ao juiz, com as duas mãos, como é que o réu conduziu deliberadamente o seu Porsche contra o edifício da Cuatrecasas, provocando a sua queda.


34. O 11 de Setembro da Foz

O meu irmão Fernando, para além de ser um intrépido marinheiro de guerra, um verdadeiro marine (cf. aqui), é também um excelente cartoonista. 

Já desde o início da adolescência ele fazia caricaturas dos membros da família que depois publicava, devidamente legendadas, num jornal de família que ele próprio criou, chamado Noticiárias. Ficou célebre uma edição do Noticiárias consagrado ao tema do "Excesso de Personalidade" (já nessa altura, c. 1968, ele antecipava o moderno tema da saúde mental) em que eu era a figura central, mas não por boas razões.

O meu julgamento em Matosinhos, que fez os meus irmãos e as minhas cunhadas deslocarem-se propositadamente  de Lisboa ao Porto por seis vezes no espaço de quatro meses, foi também uma oportunidade para os três irmãos reviverem episódios e tradições de família, entre elas as famosas caricaturas do Fernando.

Os cartoons que ele desenhou desta vez, eu fui publicando neste blogue à medida que ele os produzia, uns durante o julgamento, outros posteriormente. De todos, o meu preferido é o que reproduzo em cima e que foi originalmente publicado em Dezembro de 2019 (cf. aqui). 

O retratado é o advogado José de Freitas, na altura o mais sénior advogado que fazia parte da Armada (cf. aqui), e o fundador do escritório da Cuatrecasas no Porto.

O Dr. José de Freitas começou por ser o protagonista de um acontecimento insólito durante o julgamento - ele foi o primeiro condenado (o segundo viria a ser eu), antes mesmo de o julgamento terminar. Armou em chico-esperto, uma característica muito peculiar entre os advogados, não compareceu à chamada, e o juiz não lhe perdoou, aplicando-lhe uma multa (cf. aqui).

Na sessão seguinte lá compareceu para fazer o seu depoimento. A voz um pouco entaramelada porque o depoimento teve lugar já depois do almoço, o Dr. José de Freitas descreveu um cenário de horror na Cuatrecasas, que se estendeu à sede da sociedade em Barcelona, em resultado do meu comentário no Porto Canal, o qual já tinha sido referido na sessão anterior pela sua colega Raquel Freitas que afirmou que o meu comentário televisivo quase destruiu a sociedade.

Entre outras matérias de interesse para o julgamento, o Dr. José de Freitas revelou também ao Tribunal que eu tinha ido "em viagem turística à Grécia" e me "passeava de Porsche na cidade do Porto", detalhes que, como se imagina, se mostrariam decisivos para a sentença que o TEDH viria a produzir a semana passada sobre o assunto.

Pois foi este momento, em que o Dr. José de Freitas descrevia ao Tribunal esta espécie de 11 de Setembro da Foz do Douro, em que eu conduzi deliberadamente o meu Porsche contra os escritórios da Cuatrecasas na Avenida da Boavista, no Porto, que o meu irmão Fernando Arroja captou magistralmente e que fica para a posteridade. (A legenda é da minha autoria).


Nota: Este é o momento em que, em velocidade desenfreada, eu passei na Torre dos Clérigos em direcção à sede regional da Cuatrecasas, cinco quilómetros mais à frente: cf. aqui 

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (33)

 (Continuação daqui)

The Throw Brothers: Fernando, Manuel e Pedro (Óbidos, Dez. 2022)


33. The Throw Brothers


O meu irmão Manuel foi, durante muitos anos, piloto da Força Aérea Portuguesa e serviu mesmo durante dois anos em Angola durante a Guerra Colonial. O meu irmão Fernando, por seu lado, cumpriu o serviço militar na Marinha Portuguesa.

Ora, com estes dois valorosos combatentes a proteger-me, não havia Armada (cf. aqui) que me metesse medo.

E foi assim que durante o período em que decorreu o meu julgamento no Tribunal de Matosinhos, eu fui narrando as aventuras e desventuras dos três irmãos numa série de posts com o título "Os Irmãos Arroja" que, na versão inglesa, se chama "The Throw Brothers".

Mais tarde, reuni os episódios em nove capítulos que reproduzo a seguir:

The Throw Brothers (I): cf. aqui

The Throw Brothers (II): cf. aqui

The Throw Brothers (III): cf. aqui

The Throw Brothers (IV): cf. aqui

The Throw Brothers (V): cf. aqui

The Throw Brothers (VI): cf. aqui

The Throw Brothers (VII): cf. aqui

The Throw Brothers (VIII): cf. aqui

The Throw Brothers (IX): cf. aqui


Escusado será dizer que, apesar da escandalosa inferioridade numérica, a argúcia e a bravura dos Throw Brothers conseguiram infligir uma estrondosa derrota à Armada espanhola da Cuatrecasas, semelhante àquela que, cerca de 330 anos antes, a Invencível Armada de Filipe II de Espanha sofreu às mãos dos ingleses. 

Como a decisão do TEDH veio agora confirmar.


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (32)

 (Continuação daqui)




32. Presidente da Cuatrecasas-Portugal


Este é o e-mail que no passado dia 20 enviei à secretária do Dr. Nuno Sá Carvalho, presidente da Cuatrecasas-Portugal:


Exma. Sra. Dra. Sofia Alves,

Em 2019 fui condenado pelo Tribunal da Relação do Porto (Proc. 5777/15.6T9MTS.P1) pelos crimes de difamação agravada ao eurodeputado Paulo Rangel e ofensa a pessoa colectiva à sociedade de advogados Cuatrecasas, de que ele era director na altura. A condenação envolveu, para além de uma multa de sete mil euros ao Estado, o pagamento de uma indemnização de dez mil euros, mais juros, ao Dr. Paulo Rangel e de cinco mil euros, mais juros, à Cuatrecasas.

Recorri para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que ontem, numa decisão unânime de sete juízes reverteu a decisão do TRP e obrigou o Estado português a indemnizar-me e a reabrir o processo.  (Case of Almeida Arroja v. Portugal, Proc. 47238/19, disponível no site deste Tribunal:  https://www.echr.coe.int/)

Gostaria de agendar  uma reunião com o Dr. Nuno Sá Carvalho para discutir as consequências desta decisão do TEDH.

Com os melhores cumprimentos.

Pedro Arroja.
Prof. Dr.


Dois dias depois, insisti:

Dra. Sofia,

Gostaria me informasse quando posso esperar resposta ao meu pedido em baixo.

Cumprimentos.

P. Arroja.


Mas continuo sem resposta.


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (31)

 (Continuação daqui)



31. Descriminalização da difamação

Por mais do que uma vez, o TEDH sugere que este foi um caso em que as leis penais de difamação foram usadas abusivamente para efeitos de perseguição pessoal e política e reitera ao Estado português a necessidade de acabar com o crime de difamação.

Uma vez já foi referida, é quando cita a Recomendação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (cf. aqui). A outra é quando cita extensivamente o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas (cf. aqui, ênfases meus):


  1. INTERNATIONAL MATERIALS
    1. United Nations Human Rights Committee

34.  In its General Comment No. 34 on Article 19 of the International Covenant on Civil and Political Rights, adopted at its 102nd session (1129 July 2011), the United Nations Human Rights Committee stated as follows:

“47. Defamation laws must be crafted with care to ensure that they comply with paragraph 3, and that they do not serve, in practice, to stifle freedom of expression. All such laws, in particular penal defamation laws, should include such defences as the defence of truth and they should not be applied with regard to those forms of expression that are not, of their nature, subject to verification. At least with regard to comments about public figures, consideration should be given to avoiding penalizing or otherwise rendering unlawful untrue statements that have been published in error but without malice. In any event, a public interest in the subject matter of the criticism should be recognized as a defence. Care should be taken by States parties to avoid excessively punitive measures and penalties. Where relevant, States parties should place reasonable limits on the requirement for a defendant to reimburse the expenses of the successful party. States parties should consider the decriminalization of defamation and, in any case, the application of the criminal law should only be countenanced in the most serious of cases and imprisonment is never an appropriate penalty. It is impermissible for a State party to indict a person for criminal defamation but then not to proceed to trial expeditiously – such a practice has a chilling effect that may unduly restrict the exercise of freedom of expression of the person concerned and others.”


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (30)

(Continuação daqui)



30. Um dia


Como o acórdão do TEDH veio agora demonstrar, o meu julgamento em 2018 no Tribunal de Matosinhos foi uma palhaçada judicial. Não existia crime nenhum, apenas encenação para perseguir criminalmente e desacreditar socialmente o presidente da Associação Joãozinho e, por essa via, a obra mecenática de construção da ala pediátrica do Hospital de São João, que eu estava a liderar.

Talvez por isso, as salas dos tribunais estão hoje geralmente vazias, ninguém está para perder tempo para brincar com coisas sérias ou para dar solenidade a meras encenações de juristas. 

No meu caso, só houve quatro pessoas que assistiram a todas as sessões do julgamento. Foram os meus irmãos MA e FA e respectivas mulheres, MA e CA. Em cada uma das sessões, vinham propositadamente na véspera de Lisboa ao Porto para assistir ao julgamento. A sessão mais concorrida foi a última, com a leitura da sentença, e a presença de alguns jornalistas.

Nós, os irmãos, temos diferenças de idades de dois anos, sendo eu o segundo. Em crianças brincávamos juntos e éramos muito unidos. Crescemos antes do 25 de Abril em que uma pessoa ser julgada era um assunto muito sério.  

Quando os meus irmãos souberam que eu iria ser julgado, creio que ficaram ainda mais assustados do que eu próprio ("teria eu roubado um banco?") e perguntaram-me se podiam vir assistir ao julgamento. Respondi que sim. Seria a primeira vez para todos nós que iríamos assistir a um julgamento.

Logo ao intervalo na manhã da primeira sessão, depois de assistirmos àquela solenidade toda, o juiz a entrar na sala, o magistrado do MP atrás dele, parecia o padre e o sacristão, mais os advogados e a escrivã, todos fardados de toga, tratando-se uns aos outros com os maiores salamaleques, o meu irmão MA, que é o mais velhos de nós três, olhando em volta pelo átrio do tribunal perguntou em voz alta "O quê, mas este aparato todo por tu teres chamado politiqueiro ao Rangel!?"

O julgamento começara com a identificação do réu. O momento mais penoso para mim ocorreu aí quando, de pé, perante o juiz, tive de dizer o nome do meu pai e da minha mãe. O que é que o meu pai e a minha mãe tinham que ver com aquilo? Certo também para mim era que, onde quer que eles estivessem, naquele momento eles estariam preocupados com a sorte do filho. Foi um momento que eu senti como de grande humilhação.

Talvez por isso, foi também nesse momento que eu tive um sentimento que não sei bem se era de vingança ou se era um clamor de justiça: "Um dia todos estes patifes vão pagar isto bem caro!". 

Aconteceu seis anos depois e, curiosamente, foi no Dia do Pai (cf. aqui). Curiosamente também, recuando no tempo, a principal sessão do julgamento - a quarta - tinha tido lugar a 4 de Maio, o dia em que passavam 23 anos sobre a morte do nosso pai (um dia que deixei registado neste blogue: cf. aqui).

Nesse dia, depois da sessão do julgamento, jantámos os três no restaurante Líder no Porto, um dos melhores e mais tradicionais restaurantes da cidade, e relembrámos o nosso Pai, enquanto as nossas mulheres foram ao cinema.

(Continua acolá)

26 março 2024

A Decisão do TEDH (29)

 (Continuação daqui)



29. A única arma


É a frase mais maravilhosa da jurisprudência do TEDH sobre a liberdade de expressão e, de longe, a mais citada.

Eu próprio a citei inúmeras vezes neste blogue (p. ex., cf. aqui).

Sinto-me muito feliz de o TEDH a ter citado no acórdão Almeida Arroja. v. Portugal (cf. aqui, ênfases meus):

62.  Freedom of expression constitutes one of the essential foundations of a democratic society and one of the basic conditions for its progress and for each individual’s self-fulfilment. Subject to paragraph 2 of Article 10, it is applicable not only to “information” or “ideas” that are favourably received or regarded as inoffensive or as a matter of indifference, but also to those that offend, shock or disturb. Such are the demands of pluralism, tolerance and broadmindedness without which there is no “democratic society”. (...)

O próprio Cristo ofendeu (cf. aqui).

A ofensa verbal é a única arma das pessoas decentes contra os patifes.

(Todas as outras acima desta - como os punhos, a bomba, o jagunço ou a pistola - estão absolutamente proibidas).


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (28)

 (Continuação daqui)

Sir Francis Drake, o pirata-cavalheiro (cf. aqui)


28. A armada


Os crimes de que eu era acusado pela sociedade de advogados Cuatrecasas e pelo seu director no Porto, Paulo Rangel, tinham sido cometidos num comentário televisivo que ainda hoje está na internet. (cf. aqui).

Aos meus olhos não havia ali crime nenhum. Por isso, quando a minha advogada me pediu para indicar testemunhas para minha defesa, eu recusei. Testemunhas para quê se os crimes, caso existissem, estavam ali à vista de todos?

Acabei por ceder um pouco e aceitei nomear apenas uma testemunha, uma colaboradora minha de longa data, minha colega na direcção da Associação Joãozinho e tesoureira da Associação.

Fiquei foi estarrecido quando vi a lista de testemunhas por parte da acusação.  Eram catorze, quase todos advogados, cinco deles da Cuatrecasas, a segunda maior sociedade de advogados da Península Ibérica, logo atrás da também espanhola Garrigues, e a sexta maior da Europa continental.

É altura de fazer aqui um parenteses para inquirir como é que, não sendo Espanha, nem de longe, o maior país da Europa continental, o nível de litigância é tal que as suas sociedades de advogados são das maiores do continente (e as portuguesas também seriam se Portugal tivesse a dimensão de Espanha).

Porquê?

Como expliquei noutro lugar, Espanha  e Portugal são os dois países católicos da Europa que lideraram a resistência ao protestantismo, que é uma cultura jurídica, em resultado do princípio "Sola Scriptura". Os países católicos, pelo contrário, não têm uma cultura jurídica (na cultura católica o principal legislador é a Tradição), as suas leis positivas são geralmente más, os seus juristas medíocres, a jurisprudência praticamente inexistente.

Ora, com o advento da democracia e da liberdade, que são criações do protestantismo, os advogados ibéricos aproveitaram a incultura jurídica dos seus concidadãos, e a aleatoriedade das decisões judiciais, para lhes porem processos por tudo e por nada e, em nome da justiça, ameaçar, chantagear e extorquir pessoas e empresas. Foi assim que cresceram as grandes sociedades de advogados na Península Ibérica que, em muitos casos, se confundem com verdadeiras corporações de criminosos. 

O processo-crime que a Cuatrecasas e o seu director  puseram contra mim é um caso de extorsão. Eles arrecadaram quase 20 mil euros em indemnizações mais juros, mas quem me vai ressarcir não são eles, mas o Estado português. É assim que as sociedades de advogados ibéricas, como a Cuatrecasas, cresceram até à dimensão que hoje têm, em boa parte à custa da chantagem e da extorsão e da mera trapalhada jurídica.

Voltando ao assunto principal,  logo após o início  do julgamento no Tribunal de Matosinhos, eu tive o sentimento que dificilmente iria ganhar contra tão poderosos adversários. A partir de certa altura,  convenci-me que a minha advogada estava a ser ameaçada e que tinha afrouxado a minha defesa; o magistrado do MP, que esteve prestes a virar a acusação contra os acusadores, de repente não compareceu a uma sessão decisiva do julgamento. Tudo jogava contra mim.

Por essa altura eu já tinha concluído que, para me defender, tinha de jogar fora do campo de experiência dos meus adversários, que eram os tribunais, onde eu não iria conseguir batê-los. Então, passei a usar intensamente este blogue para ridicularizar a acusação e o julgamento, utilizando o humor e o sarcasmo tanto quanto podia. Quem consultar o blogue entre 4 de Fevereiro e 12 de Junho de 2018, vai poder acompanhar as peripécias do julgamento quase a par e passo.

Foi numa dessas ocasiões que me senti na necessidade de identificar aquela tropa de testemunhas de acusação que desfilavam contra mim no tribunal, sessão após sessão, ao longo de quatro meses. A tropa era comandada pela  Cuatrecasas, que é espanhola. Por outro lado, há muito tempo, por virtude da jurisprudência do TEDH, eu estava convencido que, mais cedo ou mais tarde, esta tropa espanhola iria ter uma estrondosa derrota.

Ocorreu-me então ao espírito a analogia com a Invencível Armada, a armada de Felipe II de Espanha que, em 1688, decidiu invadir a Inglaterra e sofreu uma copiosa derrota às mãos do herói-corsário britânico Francis Drake.

À frota da Cuatrecasas decidi, então, chamar "A armada" num post que ainda hoje permanece um dos mais populares deste blogue: cf. aqui.

A estrondosa derrota  da Armada chegou, finalmente, a semana passada e eu sinto-me agora um verdadeiro Drake.  

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (27)

 (Continuação daqui)



27. Santos que serão considerados pedófilos


É o seguinte o e-mail que hoje enviei ao Presidente da Comissão Diocesana de Protecção de Menores e Vulneráveis (cf. aqui):


Exmo. Senhor Dr. José Souto Moura
Presidente
Comissão Diocesana de Protecção de Menores e Vulneráveis
Lisboa

 

Exmo. Senhor Presidente,

Reencaminho, para sua informação, o e-mail que recentemente enviei ao secretariado da Conferência Episcopal Portuguesa solicitando uma reunião com o seu Presidente, D. José Ornelas (cf. aqui).

Gostaria de acrescentar um comentário acerca da valiosa missão que a Comissão presidida por V. Exa. prossegue. Pode parecer uma ironia, mas espero que o entenda como a expressão da minha mais profunda indignação.

É o seguinte: Se o juiz Pedro Vaz Patto exibir, no seio dessa Comissão, a mesma qualidade de julgamento que demonstrou no caso relatado em baixo, então, haverá pedófilos que serão considerados santos e, pior ainda, haverá santos que serão considerados pedófilos.

Por favor, aceite os meus respeitosos cumprimentos.

Pedro Arroja
Prof. Dr.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (26)

 (Continuação daqui)



26. É crime


É o seguinte o teor do e-mail que hoje enviei ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que é o órgão de governança dos juízes:


Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Dr. Henrique Araújo
Presidente
Conselho Superior da Magistratura
Lisboa

Exmo. Senhor Presidente,

Em baixo o e-mail que recentemente enviei à presidência do Tribunal da Relação do Porto (cf. aqui).

Gostaria de lhe exprimir a minha mais profunda indignação pela situação nele descrita em que dois juízes do Tribunal da Relação do Porto (do qual, aliás, V. Exa. já foi juiz e até presidente) condenam um inocente, decidindo deliberadamente contra a jurisprudência em vigor no país, e nada lhes acontece. Aliás, um deles, no entretanto, até já foi promovido pelo CSM a juiz do Supremo.

Condenar um inocente não é trabalho judicial. É crime – crime de calúnia. Obrigar um inocente a fazer pagamentos que não são devidos, sob a ameaça da força do Estado, não é trabalho judicial. É crime – crime de extorsão.

Como os juízes estão protegidos por um regime de imunidade criminal no exercício das suas funções, gostaria de saber se estão previstas, ao menos, sanções disciplinares para situações como esta. Caso contrário, qualquer juiz incompetente ou corrupto fica com total liberdade para arruinar discricionariamente a vida de um qualquer cidadão inocente.

Com os meus respeitosos cumprimentos.
Pedro Arroja
Prof. Dr. 


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (25)

(Continuação daqui)

Quina
Fonte: cf. aqui



25. Processo de revisão da sentença

O acórdão do TEDH publicado a semana passada (cf. aqui) só se torna efectivo (isto é, transita em julgado) no dia 19 de Junho, três meses após a sua publicação. 

Este prazo destina-se a dar tempo às partes para recorrer para a Grand Chamber do TEDH, caso o desejem fazer. Eu não vou recorrer de certeza e é pouco provável que o Estado o faça tendo em conta que o acórdão foi adoptado por unanimidade de sete juízes.

Só então poderei iniciar o processo de revisão da sentença  junto dos tribunais portugueses para o qual  remete o acórdão e aí pedir o reembolso de todas as despesas que tive com o processo (indemnizações, multas, custas judiciais, etc.):

 97.  Regarding pecuniary damage, the Court observes that under Article 449 (g) of the Code of Criminal Procedure (see paragraph 31 above), an applicant may seek the reopening of criminal proceedings in respect of which the Court has found a violation of the Convention (see, mutatis mutandis and in respect of the possibility of reopening civil proceedings, SIC – Sociedade Independente de Comunicação, cited above, § 75). The Court therefore considers that the most appropriate form of redress would be the reopening of the criminal proceedings at the applicant’s request. Since the domestic law allows that solution, the Court is of the opinion that the applicant’s claim under this head must be rejected.:

O processo de revisão da sentença é regulado pelo artº 449º e seguintes do Código do Processo Penal (CPP, cf. aqui) e basicamente consiste no seguinte. Eu junto o acórdão do TEDH ao processo e argumento que ele é inconciliável com a minha condenação. Em seguida, peço a absolvição e que o meu registo criminal seja limpo, e bem assim o reembolso de todas as despesas que tive com o processo.

Este ponto é importante. Quem me vai ressarcir das indemnizações que paguei ao Paulo Rangel e à Cuatrecasas é o Estado português (artº 462º do CPP), porque o Estado português é que tomou a decisão errada de me condenar, e é ele que foi condenado pelo TEDH.

Quer dizer, no fim, o Paulo Rangel e a Cuatrecasas acabam a enriquecer ilicitamente à custa dos contribuintes portugueses.

Por esta razão, eu já comparei a Cuatrecasas (e o Paulo Rangel, que era seu director na altura) à Quina (cf. aqui), uma célebre carteirista octogenária, que fez furor na cidade do Porto e que só recentemente se retirou em virtude da sua avançada idade.

Há, no entanto, uma diferença. A Quina foi várias vezes presa, embora depois libertada, ao passo que o Paulo Rangel parece que vai agora ser promovido a ministro.  

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (24)

 (Continuação daqui)

Papá Encarnação


24. Nem mesmo um cigano

Os queixosos Paulo Rangel e Cuatrecasas eram representados em julgamento pelo advogado Adriano Encarnação da sociedade de advogados Miguel Veiga, Neiva Santos e Associados.

O advogado Adriano Encarnação andava sempre acompanhado do filho, o advogado Ricardo Encarnação, e por isso em breve eu o baptizei de Papá Encarnação.

Paulo Rangel acusava-me  do crime de difamação agravada e pedia-me uma indemnização de 50 mil euros e a Cuatrecasas acusava-me do crime de ofensa a pessoa colectiva e exigia de mim uma indemnização também de 50 mil euros.

O total das indemnizações pedidas era, portanto, de 100 mil euros.

À entrada para o julgamento o Papá Encarnação, através da minha advogada, fez-me a seguinte proposta - ele retiraria a acusação e eu evitaria o julgamento se pagasse  cinco mil euros a uma instituição de caridade e fizesse um pedido de desculpa ao Paulo Rangel e à Cuatrecasas registado em acta no tribunal.

Recusei o negócio. Ele queria-me agora vender os crimes com um desconto de 95%.

Desconfiei da fartura. Nunca me tinham feito um desconto de tal magnitude.

Nem mesmo um cigano (cf. aqui).


(Continua acolá)

25 março 2024

A Decisão do TEDH (23)

 (Continuação daqui)

Isabel Canning, actual presidente da Associação "O Ninho"


23. Uma Associação católica


Este é o teor do e-mail que hoje dirigi à presidente da Associação "O Ninho":


Exma. Sra. Dra.
Isabel Canning
Presidente da Direcção
Associação “O Ninho”
Lisboa

 

Exma. Sra. Dra.,

Este e-mail tem como propósito exprimir uma profunda indignação, que espero V. Exa. compreenda, e apresentar uma sugestão.

Começo por reencaminhar o e-mail que na semana passada dirigi ao secretariado da Conferência Episcopal Portuguesa pedindo uma reunião com o seu presidente, D. José Ornelas. (cf. aqui)

Em seguida, juntar um post que hoje escrevi no meu blogue Portugal Contemporâneo, inserido na série “A Decisão do TEDH” (22) e com o subtítulo “A favor dos amigos”:

https://portugalcontemporaneo.blogspot.com/2024/03/a-decisao-do-tedh-22.html

A sugestão é a de que no futuro escrutinem mais eficazmente a integridade das pessoas que chamam a colaborar convosco para que não se vejam envolvidos em referências públicas que nada ajudam ao vosso trabalho.

Acusar um inocente, como fez o Dr. Paulo Rangel e, pior ainda, condená-lo, como fez o juiz Pedro Vaz Patto, não serão propriamente as referências curriculares que uma Associação católica como a vossa mais desejará para os seus colaboradores.

Os meus cumprimentos e os melhores votos de sucesso no desempenho da vossa missão.

Pedro Arroja
Prof. Dr.


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (22)

 (Continuação daqui)



22. A favor dos amigos

É um dos posts mais partilhados de sempre deste blogue. Foi escrito logo após a sentença do Tribunal da Relação do Porto que me condenou e que agora foi arrasada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Tem o título "foi apanhado" (cf. aqui). 

Era um caso que me parecia tão evidente de corrupção da justiça que a prova devia estar à vista. Uma rápida busca na internet e logo veio ao de cima que o juiz Pedro Vaz Patto, que foi o relator do acórdão condenatório, era colega do eurodeputado Paulo Rangel na Associação "O Ninho".

Numa sessão comemorativa dos 50 anos da Associação, o juiz era conferencista, mas era também presidente da Assembleia Geral da Associação. O eurodeputado Paulo Rangel era membro da Comissão de Honra.

A Associação, uma IPSS ligada à Igreja Católica, financia-se quase exclusivamente com dinheiros do Estado, e tem um orçamento da ordem dos 500 mil euros ao ano (cf. aqui). Daí a profusão de políticos convidados para o 50º aniversário da Associação. São eles que vão mexer os cordelinhos para o dinheiro fluir generosamente dos bolsos dos contribuintes para os cofres da Associação.

Como retribuir ou incentivar?

Uma maneira possível - que não será a única -, e já que a Associação tem um juiz a presidir a um dos seus órgãos sociais, é o juiz decidir casos a favor dos amigos da Associação. Como veio a acontecer, ainda que isso implique corromper a justiça e atropelar elementares direitos dos cidadãos.

Desde 2015 que o Conselho da Europa, que integra o TEDH, recomenda, através do GRECO (Grupo de Estados Contra  Corrupção, de que Portugal faz parte) a adopção de 15 medidas para evitar a corrupção entre juízes, deputados e magistrados do Ministério Público (cf. aqui).

Passados nove anos, entre as seis medidas recomendadas para os juízes, não existe uma - uma sequer - que esteja plenamente implementada (cf. aqui). Uma dessa medidas é a adopção de um código de conduta que previna as situações de conflito de interesses e salvaguarde a integridade da justiça e o mais importante dos atributos de uma justiça democrática - a imparcialidade dos juízes.

Nada feito. Mas este caso talvez explique cabalmente porque é que nada está feito. 

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (21)

 (Continuação daqui)

Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa


21. A um mês dos 50 anos

É um dos principais parágrafos do acórdão Almeida Arroja v. Portugal publicado na terça-feira passada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

Trata de um assunto ao qual eu me referi muitas vezes vezes neste blogue precisamente a propósito do caso que me opôs ao Estado português no TEDH e que é o objecto do acórdão (p. ex., cf. aqui e aqui)

Refiro-me à Recomendação 1814 da Assembleia Geral do Conselho da Europa, que é a instituição que alberga o TEDH, emitida em 2007, a qual recomenda aos Estados membros a descriminalização da difamação porque é precisamente por essa via que os Estados não-democráticos perseguem os seus opositores políticos.

Cito, então, do acórdão (cf. aqui., ênfases meus):


  1. Parliamentary Assembly of the Council of Europe

35.  In its Recommendation 1814 (2007) “Towards decriminalisation of defamation”, the Parliamentary Assembly of the Council of Europe stated, inter alia, as follows:

“1. The Parliamentary Assembly, referring to its Resolution 1577 (2007) entitled ‘Towards decriminalisation of defamation’, calls on the Committee of Ministers to urge all member states to review their defamation laws and, where necessary, make amendments in order to bring them into line with the case law of the European Court of Human Rights, with a view to removing any risk of abuse or unjustified prosecutions;

2. The Assembly urges the Committee of Ministers to instruct the competent intergovernmental committee, the Steering Committee on the Media and New Communication Services (CDMC) to prepare, following its considerable amount of work on this question and in the light of the Court’s case law, a draft recommendation to member states laying down detailed rules on defamation with a view to eradicating abusive recourse to criminal proceedings.”

(A Resolução 1577 é esta: cf. aqui)


A inserção deste lembrete no acórdão parece totalmente despropositada, ou não será?

Não, não é. 

O TEDH está a dizer diplomaticamente ao Estado português (e, por implicação a todos os Estados membros) que este foi um caso de uso abusivo das leis penais de difamação, e a relembrar-lhe a necessidade de descriminalizar a difamação. 

Passaram 17 anos sobre a recomendação do Conselho da Europa sobre esta matéria  e nada aconteceu no país.

Por outras palavras, o TEDH está a sugerir que o caso Almeida Arroja v. Portugal é um caso de utilização abusiva do direito criminal para fins de perseguição pessoal e política.

Uma vergonha, a um mês dos 50 anos do 25 de Abril

24 março 2024

A Decisão do TEDH (20)

(Continuação daqui)



20. Nunca se deixem abusar

De forma unânime, entre um colectivo de 7 juízes, a decisão hoje proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) arrasou uma decisão anterior dos tribunais portugueses, num caso em que estava em causa o direito à liberdade de expressão. Portugal é, assim, novamente condenado, pela enésima vez, por violação de um dos mais básicos direitos humanos - a liberdade de expressão (reforçada, segundo a jurisprudência ocidental, quando se trata de criticar políticos no activo). Um abraço ao senhor meu Pai (no dia do Pai)

Fonte: cf. aqui.


Comentário: Obrigado ao Ricardo que é o mais velho dos meus quatro filhos. A minha mensagem para os meus netos (só dele tenho seis) é a seguinte: "Nunca se deixem abusar por quem tem o poder". 

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (19)

 (Continuação daqui)




19. Por justiça e não por caridade


Estamos no ano da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril que, como estão sempre a lembrar-nos, trouxe-nos a liberdade, o fim da censura e o fim das perseguições políticas. Só que não.

O caso da perseguição a Pedro Arroja, sumariado por Francisco Teixeira da Mota no artigo que pus aqui ontem no blog, é um exemplo da resistência da nossa Justiça àquelas práticas de liberdade e, por extensão, da resistência à democracia. 

É um caso de perseguição à liberdade de expressão de um cidadão comum, que a usa para chamar a atenção da promiscuidade entre políticos e escritórios de advogados, bem como o prejuízo que essa promiscuidade causa à Coisa Pública. Foi logo castigado para dissuadir outros incautos que se lembrassem de fazer uso da sua liberdade de expressão para criticar juízes e políticos.

No acordão da sua condenação pode ler-se, entre as várias considerações da condenação:

V – Tal conduta não poderá ser albergada pela interpretação restritiva do TEDH no tocante à liberdade de expressão.

Ou seja, a liberdade de expressão consagrada pelo TEDH é excessiva, segundos suas excelências auto-meritíssimas, de maneira que dizem logo à cabeça que não a consideram no caso em apreço, já a defenderem-se por antecipação de um suposto recurso para o referido Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O que aconteceu. Também aconteceu, o TEDH anular a sentença dos senhores juízes, suas excelências auto-meritíssimas.

É lamentável que tenhamos juízes que são repreendidos amiúde pelo TEDH por perseguirem pessoas por delito de opinião e o pior é que nem mesmo depois de perderem o caso e serem repreendidos reconhecem o erro e repõem o que tiraram indevidamente. Porquê? Bem, lá está, suas excelências auto-meritíssimas, consideram que a liberdade de expressão não pode ser excessiva, ao ponto de incomodar os senhores juízes, suas excelências todo-poderosas, auto-meritíssimas, nas suas vidinhas.

Porque é que o Poder Judiciário é um pilar fundamental do Estado de Direito? Porque impede que a tentação de poder dos políticos e outros poderosos se derrame em injustiças e abusos para os cidadãos. Este é o único poder a que podemos recorrer para nos defendermos de abusos. Ora, se um cidadão comum, em vez de confiar que a independência do Poder Judiciário o proteja dos abusos dos poderosos, tem receio do próprio abuso de poder dos juízes, fica completamente à mercê da caridade do Estado e dos poderosos.

A democracia é uma forma de governo em que pedimos, por justiça, e não por caridade, o que nos é devido. A liberdade de expressão é-nos devida. Isto é, se a democracia e as conquistas do 25 de Abril, não são apenas perfunctórias. A liberdade de expressão não é uma caridade ou um favor que o Estado e os poderosos nos fazem. Portanto, se o Poder Judiciário não está ao serviço da Justiça que se almeja com a Lei, é caso de nos perguntarmos: a quem serve e com que fins? (...)

(Beatriz JA no blog IP azul: "Se o Poder Judiciário não serve a Justiça e a Lei, a quem serve? E com que fins?)

Fonte: cf. aqui

(Continuação acolá)

23 março 2024

A Decisão do TEDH (18)

 (Continuação daqui)




18. O gajo 


Este é o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que me condenou em Março de 2019, e de que foi relator o juiz Pedro Vaz Patto: cf. aqui.

No acórdão, eu sou o gajo identificado por B - o réu, o arguido, o safado, o mentiroso, o criminoso.

Vale a pena reproduzir o sumário do acórdão e ter em atenção, especialmente, o seu último parágrafo:

I – É frequente que no debate político se imputem, de forma polémica, determinadas intenções maléficas a adversários políticos.
II – Porém, não havendo qualquer fundamento sério para a imputação em causa, estaremos perante a imputação de factos desonrosos que, sendo matérias de interesse público, são conscientemente falsos.
III – Não é crível que o arguido se considerasse legitimado para imputar ao assistente desonrosos conscientemente falsos apenas porque este se dedica à vida política, não estando legitimado para o fazer, quanto aos mesmos factos, em relação à sociedade de advogados de que este era director, o que nos remete para a existência de erro notório na apreciação da prova.
IV – Na verdade, não é do senso comum, e não exige conhecimento da doutrina e da jurisprudência, que a imputação a qualquer pessoa de factos desonrosos conscientemente falsos, seja ele político ou não, integra a prática de um crime de difamação.
V – Tal conduta não poderá ser albergada pela interpretação restritiva do TEDH no tocante à liberdade de expressão.

Foi este último parágrafo, em primeiro lugar, que esta semana o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem veio arrasar com uma decisão unânime de sete juízes de sete países diferentes (cf. aqui).

Mais do que a injustiça da condenação, quando li o acórdão do TRP vai para cinco anos, tocou-me a injustiça de o juiz Vaz Patto me atribuir "desonestidade intelectual", uma atribuição que, infelizmente, a  juíza Paula Guerreiro reproduz naquela que é, em todos os outros aspectos, uma preciosa declaração de voto.

Pensei na altura: "Eles é que condenam um inocente e eu é que sou intelectualmente desonesto...".

Na idade em que estou, e em resultado da vida que levei, eu creio que já tenho capacidade suficiente para superar aquela que Fernando Pessoa considerava a maior incapacidade do homem português, que é a incapacidade de se dividir em dois (cf. aqui), de se libertar do seu próprio umbigo, de olhar para si a partir de fora, de se observar a si próprio a partir de outra pessoa.

Parece razoavelmente evidente que um homem que faz aquele comentário televisivo (cf. aqui) é o mais frontal de todos os homens, ele pode estar certo ou errado, mas a sua convicção é absoluta. Aquele é o tipo de homem que, quando está certo, está cem por cento certo, e quando está errado, está cem por cento errado. Não existe meio termo. Ele pode estar errado, mas desonesto ele não é.

O seu grande defeito, quando falha, é outro e ele confessou-o no dia - que era o Dia do Pai -, em que o TEDH publicou o acórdão que arrasa o acórdão do juiz Vaz Patto, e que é um defeito que ele considera ter herdado do seu próprio Pai (cf. aqui).

O juiz Vaz Patto é um padreca que gosta de atribuir pecados aos outros para ele próprio se sentir superior a eles.

Mas desta vez enganou-se. Meteu-se com o gajo errado.

Intelectualmente desonesta é a priminha de Sua Excelência, o Meritíssimo Senhor Juiz Desembargador Relator.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (17)

 (Continuação daqui)

(Autor: FA)


17. A sentença inquisitorial perfeita


Foi um dos momentos mais sombrios de todo este processo, e aconteceu durante a leitura da sentença no Tribunal de primeira instância de Matosinhos.

O protagonista foi o juiz João Manuel Teixeira.

Na altura, descrevi o momento neste blogue: cf. aqui: (um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, especialmente o quarto e o nono posts da série).

Tendo-me absolvido do crime de difamação agravada ao eurodeputado Paulo Rangel, o juiz passou ao crime de ofensa a pessoa colectiva de que eu era acusado pela sociedade de advogados Cuatrecasas.

Não sem antes invocar um instituto jurídico conhecido por "Alteração não-substancial dos factos". Este instituto mantém o crime de que o réu é acusado (ofensa a pessoa colectiva), mas altera o facto ilícito que lhe dá origem. 

Segundo o juiz, o facto ilícito deixava de ser eu ter denegrido a reputação da sociedade Cuatrecasas e passava a ser eu ter posto em causa a relação de confiança entre os advogados da Cuatrecasas e o seu cliente, Hospital de S. João do Porto.

Neste preciso momento, e antes de o juiz prosseguir a leitura da sentença, eu estava ali na posição de réu, de pé, a ouvir a sentença, sem motivo - o juiz já me tinha absolvido de difamação ao Paulo Rangel e agora deitava para o lixo a queixa da Cuatrecasas. O juiz não reconhecia nenhuma das queixas que me tinham levado ao tribunal.

O pior estava para vir. Depois de proceder à alteração não-substancial dos factos, o juiz declarou que eu tinha cometido o crime de ofensa a pessoa colectiva por ter posto em causa a relação de confiança entre a Cuatrecasas e o seu cliente, Hospital de S. João (um caso de "Preso por ter cão ou por não ter"). Em seguida, apresentou como prova do crime um e-mail que eu próprio tinha levado ao processo para minha defesa, e depois condenou-me em quatro mil euros de multa ao Estado e em cinco mil de indemnização à sociedade de advogados.

Tinha sido a sentença inquisitorial perfeita. O juiz acusa, o juiz usa como prova do crime elementos que o réu apresentou para sua defesa, e finalmente o juiz condena sobre a sua própria acusação.

A tudo isto eu assisti, de pé, sem me poder defender.

Os tribunais portugueses não violaram apenas o meu direito à liberdade de expressão, como esta semana o TEDH veio declarar por unanimidade de sete juízes. Violaram também outros direitos humanos ainda mais básicos, como o direito à defesa (artº 6º da CEDH) e o direito à não-auto-incriminação. Esta sentença é uma coisa absolutamente medieval e inquisitorial que acontece em pleno séc. XXI em Portugal. Eu imagino que está longe de ser única. 

Numa das sessões anteriores, num momento de maior relaxe, o juiz, virando-se para os advogados, disse a certa altura "Eu também já estive nesse lugar". E depois, apontando para o magistrado do Ministério Público, acrescentou: "E nesse também".

Quer dizer, o juiz João Teixeira já não estava no Ministério Público, que é o sucessor da Inquisição. O Ministério Público é que, claramente, ainda estava nele.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (16)

 (Continuação daqui)


Fonte: cf. aqui


16. Francisco Teixeira da Mota

Francisco Teixeira da Mota é um advogado especializado em processos de liberdade de expressão junto do TEDH, semelhantes ao meu.

Em 2019 já tinha escrito um artigo no Público sobre o assunto: cf. aqui.

Ele é o autor do livro "A Liberdade de Expressão em Tribunais" (cf. aqui), uma das poucas referências bibliográficas sobre o tema em Portugal, a par do já referido "Liberdade de Expressão" de Jónatas Machado (cf. aqui).

O artigo acima também pode ser lido com os links apropriados noutro lugar: cf. aqui 


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (15)

 (Continuação daqui)




15. Procurador-Geral Regional


É o seguinte o teor do e-mail que esta semana enviei ao Procurador-Geral Regional do Porto:


Exmo. Senhor Dr. Norberto Martins, Procurador-Geral Regional,

Em 2019 fui condenado pelo Tribunal da Relação do Porto (Proc. 5777/15.6T9MTS.P1) pelos crimes de difamação agravada ao eurodeputado Paulo Rangel e ofensa a pessoa colectiva à sociedade de advogados Cuatrecasas, de que ele era director na altura.

A decisão teve como relator o Desembargador Pedro Vaz Patto, com o voto favorável do Desembargador Francisco Marcolino, e o voto contra da Desembargadora Paula Guerreiro. A acusação esteve a cargo do Ministério Público do Porto envolvendo, entre outros, os magistrados António Prado e Castro, António Vasco Guimarães e José Manuel Ferreira da Rocha.

Considero-me um bom cidadão, professor universitário, casado há 48 anos, pai de 4 filhos e avô de 9 netos. Nunca me passaria pela cabeça cometer um crime, quanto mais dois.

Recorri para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que ontem, numa decisão unânime de sete juízes (repito: unânime de sete juízes) reverteu a decisão do TRP e obrigou o Estado português a indemnizar-me e a reabrir o processo.  (Case of Almeida Arroja v. Portugal, Proc. 47238/19, disponível no site deste Tribunal:  https://www.echr.coe.int/)

Gostaria de agendar  uma reunião com V. Exa., à sua conveniência, para lhe exprimir pessoalmente, enquanto cidadão, o meu profundo desagrado pela qualidade do trabalho da instituição que V. Exa. dirige e que resultou na acusação e na condenação de um inocente.

Com os melhores cumprimentos.

Pedro Arroja.
Prof. Dr.

(Continua acolá)